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Tratamento

Terapêutica de reperfusão miocárdica

O Enfarte Agúdo do Miocárdio com Supra de ST resulta da oclusão total de uma artéria coronária, condicionando isquemia no território miocárdico irrigado por essa artéria, que rapidamente evolui para necrose transmural irreversível. Desta forma, o slogan TEMPO É MIOCÁRDIO mantém-se atual, uma vez que o tempo total de isquemia, isto é, o tempo entre o início dos sintomas e a terapêutica de reperfusão, tem um impacto importante no prognóstico do doente.

Quanto mais precoce for a instituição da terapêutica de reperfusão miocárdica, maior a extensão de miocárdio em sofrimento que é possível salvar, o que se traduz numa redução significativa da mortalidade e morbilidade a curto e a longo prazo.

Indicações para terapêutica de reperfusão:

- Sintomas com menos de 12h de evolução e elevação persistente de ST ou Bloqueio Completo do Ramo Esquerdo (BCRE) de novo ou presumivelmente de novo;

- Sintomas com mais de 12h de evolução e evidência persistente de isquemia. No caso de dor ou alterações ECG intermitentes, contar o tempo desde o último episódio de dor ou isquemia;

- Insuficiência cardíaca aguda severa ou choque cardiogénico (independentemente do tempo de evolução);

- Paragem cardiorrespiratória (PCR)

- doentes ressuscitados de morte súbita com supra ST no ECG

- Sobreviventes de PCR sem supra ST no ECG, mas com suspeita elevada de SCA

Infelizmente, na prática clínica existem inúmeros tempos de atraso que contribuem para o aumento do tempo total de isquemia, relacionados com o próprio doente (tempo entre o início dos sintomas e o primeiro contacto médico) ou com o sistema de saúde. Os tempos de atraso condicionados pelo sistema de saúde incluem o tempo de diagnóstico (desde o primeiro contacto médico até à realização e interpretação do ECG de 12 derivações) e o tempo do diagnóstico até à reperfusão, definida como a passagem do fio guia através da lesão culprit no caso da angioplastia primária (ICP 1ª) ou o início da perfusão do fibrinolítico no caso da trombólise.

A minimização do tempo total de isquemia constitui um dos principais objetivos na abordagem do doente com EAMcST, particularmente a redução dos tempos de atraso relacionados com a prestação de cuidados de saúde, que depende essencialmente da sensibilidade e performance dos seus profissionais.

A intervenção coronária percutânea primária (ICP 1ª) constitui o método preferencial de reperfusão, uma vez que permite assegurar e manter a patência da artéria coronária, associada a baixo risco hemorrágico, mas com uma menor acessibilidade, o que condiciona, nalguns casos, um aumento dos tempos de atraso relacionados com a necessidade de transferência do doente para um laboratório de hemodinâmica. A fibrinólise é um método de reperfusão fácil e rapidamente acessível, mas com contra-indicações importantes associadas ao seu risco hemorrágico.

A evidência científica tem demonstrado de forma consistente a superioridade da ICP 1ª em relação à fibrinólise na melhoria do prognóstico a curto e a longo prazo, desde que realizada atempadamente, por uma equipa experiente, em centros de alto volume e com disponibilidade permanente.

A seleção da terapêutica de reperfusão depende do tempo de evolução dos sintomas, das caraterísticas basais do doente e do tempo previsto para a realização de ICP 1ª. Os tempos de atraso aceitáveis para ICP 1ª incluem:

- 60 min: doente jovem (menos de 65 anos), EAMcST anterior, apresentação precoce (menos de 2h de evolução dos sintomas)

- 120 min: generapdade dos doentes

- 180 min: doente idoso (mais de 65 anos), EAMcST não anterior, apresentação tardia

Os doentes que se apresentam num hospital com laboratório de hemodinâmica, têm indicação para a realização de ICP 1ª nos primeiros 60 minutos após o primeiro contacto médico. Quando o diagnóstico de EAMcST é feito em ambiente pré-hospitalar ou num centro sem laboratório de hemodinâmica, deve ser avaliada de imediato a possibilidade de transferir o doente para ICP 1ª em menos de 120 min (preferencialmente inferior a 90 min). No caso de não ser possível cumprir estes tempos, deve ser feita fibrinólise imediata, seguida de transferência para um hospital com hemodinâmica. O doente deverá ser submetido a coronariografia 3 a 24h depois da fibrinólise, nos casos de sucesso, ou a angioplastia de resgate (coronariografia urgente) quando a fibrinólise não tem sucesso.

Os tempos alvo para a realização do diagnóstico e instituição da terapêutica de reperfusão são considerados indicadores de qualidade na abordagem do doente com EAMcST. De acordo com as Guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia, está indicada a criação e avaliação periódica de registos, com o objectivo de otimizar a eficácia das instituições de saúde envolvidas no tratamento do EAMcST e melhorar a performance dos seus profissionais.

Perante o diagnóstico de EAMcST é fundamental prevenir, identificar e tratar as principais complicações, nomeadamente as bradi e taquiarritmias, a insuficiência cardíaca aguda e o choque cardiogénico. Neste contexto, está indicada a monitorização ECG contínua com desfibrilhador e a avaliação frequente dos sinais vitais.

No momento do primeiro contacto médico, após a definição da estratégia de reperfusão, deve ser administrada a terapêutica antitrombótica, em particular a terapêutica antiagregante plaquetar, que apresenta um impacto prognóstico relevante. A restante terapêutica, nomeadamente os opióides e nitratos, tem indicação para alívio dos sintomas, sem qualquer impacto prognóstico, pelo que deve ser administrada de forma criteriosa, quando estritamente necessária e não por rotina em todos os doentes com EAM.